O serviço ruim e caro praticado por empresas de saneamento fez pelo menos 158 cidades do mundo de países como a França, Estados Unidos e Espanha, entre outros, a estatizar novamente os serviços de saneamento, anteriormente privatizados.
Os motivos foram: falta de cumprimento das clausulas contratuais, falta de transparência na prestação de serviços e aumentos de tarifas. E, enquanto o mundo reestatiza seus serviços de água e esgoto, aqui no Brasil, na contramão dos países desenvolvidos, parte do Congresso Nacional em conluio com o governo de Jair Bolsonaro (PSL) aplica um modelo neoliberal econômico que vai deixar a população à mercê de empresários que só visam o lucro.
As consequências para a população serão tarifas mais caras, menos investimento em tratamento de esgotos, mais desperdício de água e aumento de doenças decorrentes da falta de saneamento básico.
Para entender como isso vai acontecer, é preciso conhecer as tramóias que vêm sendo tratadas no Congresso Nacional e como a propaganda do governo a favor das privatizações não condiz com a verdade.
O projeto que muda a Lei do Saneamento
Mesmo após duas Medidas Provisórias (MPs), de Michel Temer (MDB-SP) terem sido rejeitadas pelo Congresso, no ano passado, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) apresentou um novo Projeto de Lei (PL) n° 3261/ 2019, que muda a Lei de Saneamento, de 2007.
A proposta, já aprovada no Senado, se transformou no substitutivo do deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), relator do PL na Comissão Especial da Câmara. O texto do relator foi aprovado no último dia 30 de outubro e, deve ir ao plenário para votação, nas próximas semanas.
Se a proposta for aprovada pela Câmara, os municípios serão obrigados a licitar os serviços de saneamento com empresas privadas, e não poderão mais contratar empresas públicas diretamente, sem licitação, como é hoje. É como se a cidade de Santos (SP) não pudesse mais contratar diretamente os serviços da Sabesp, empresa pública do governo do estado de São Paulo. Para isso, teria de incluir a Sabesp no processo licitatório.
A proposta também acaba com o subsídio cruzado, quando um município mais rico subsidia os mais pobres.
O assessor em saneamento da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), Edson Aparecido da Silva, é categórico ao afirmar que as tarifas de água sofrerão aumentos, principalmente nos municípios mais pobres que não terão os serviços subsidiados pelas cidades mais ricas.
“Uma empresa privada não terá interesse em prestar serviços numa pequena cidade porque a operação não será rentável. As cidades maiores, por terem uma população maior, arrecadam mais. Sem as cidades mais ricas, subsidiando esse serviço, as mais pobres, de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) sofrerão graves consequências, pois não terão dinheiro para investir em saneamento”, afirma Edson.
Com a falta saneamento, logicamente virão doenças como dengue, hepatite, leptospirose, chikungunya e diarréia, entre outras, decorrentes do esgoto a céu aberto. A preocupação é que obras de tratamento de esgoto possam ser reduzidas.
“Querem resolver o problema matando o doente. Essa proposta de mudar a Lei do Saneamento vai aumentar a exclusão da população mais pobre, o direito a uma vida mais digna, com água na cozinha e no banheiro”
Comparação entre serviços público e privado
O governo promete com a privatização do saneamento R$ 702 bilhões de novos investimentos e universalização até 2031. Mas, um estudo de Luiz Geovane, diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente no Estado da Bahia (Sindae/BA) desmistifica a eficiência do privado.
O estudo mostra que a cobertura média de esgoto dos municípios geridos no âmbito estatal é de 74,46%, ao passo que a administração privada tem apenas 53,8%. Em Manaus (AM), por exemplo, administrado pela empresa privada Aegea Saneamentos, apresenta vergonhoso índice de 12,25%, sendo o pior município brasileiro na cobertura de esgoto, com população superior a 1 milhão de habitantes.
As perdas na distribuição de água são outro grande problema quando se fala de saneamento básico. De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), o setor privado tem perdas de 49%, enquanto o setor público tem perda média de 39%.
Recentemente, a empresa privada de saneamento de Manaus, publicou nas suas demonstrações financeiras do 2º trimestre de 2019, índice médio de perdas de 56,2%. No mesmo relatório ela apresenta um gráfico que evidencia uma tendência de crescimento nessas perdas de 30% no último ano, passando de 43,2% no 2º trimestre de 2018, para 56,2%.
As cidades que são administradas pelo setor privado investiram, nos últimos 5 anos, em média R$ 377,63 per capita, ao passo que a administração pública investiu, no mesmo período, R$ 405,06 per capita.
A população paga mais caro na tarifa das concessionárias privadas, gastando 20% a mais que os operadores do setor público, nesse sentido o setor público cobra em média R$ 3,76 por m³ de água, contra R$ 4,52/m³, de acordo com o SNIS.
Desse estudo, diz Luiz Geovane, conclui-se que o setor privado promove cobertura de esgoto inferior aos serviços operados pela administração pública, cobra mais caro na tarifa, investe menos, desperdiça muita água e não apresenta nenhuma capacidade de fazer cumprir as promessas de investimento no saneamento, o que eles fazem, de fato, melhor que a administração pública é marketing e propaganda e distribuir pomposos lucros para seus acionistas.
Governo mente para defender a privatização do saneamento
Ao contrário do que diz o governo, o serviço público de saneamento não é deficitário.
Um estudo do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas) mostra que o setor de saneamento cresceu mais do que o Produto Interno Bruto (PIB) no período de 2007 a 2017. Enquanto o PIB aumentou em 17% neste período, os números totais de ligações de água e de esgoto cresceram respectivamente 48% e 72%.
O volume de esgoto tratado, por sua vez, cresceu 63% no mesmo período. Enquanto isso, a agropecuária cresceu 37%, os serviços 20% e a indústria, lamentavelmente estagnada, apenas 2%. Das quatro variáveis analisadas a que menos evoluiu foi o volume de água produzida, que, mesmo assim, cresceu tanto quanto o PIB no período, ou seja, 17%.
Para chegar a essas conclusões, o estudo utilizou uma amostra de 4.104 municípios, a partir de informações que constam do Sistema Nacional de Informações em Saneamento (SNIS) do Governo Federal, entre os anos de 2007 a 2017, e consolidou o crescimento de variáveis que caracterizam a evolução da oferta dos serviços neste período: número de ligações totais de água, número de ligações totais de esgotos, volume de água produzido e volume de esgoto tratado.
Outro dado econômico importante, que o governo atual tenta esconder, é que os investimentos em saneamento quase triplicaram nos governos Lula e Dilma. De 1997 a 2007, foram investidos R$ 32,3 bilhões. Após a Lei do Saneamento ser aprovada, em 2007 (governo Lula), os investimentos saltaram para quase R$ 100 bilhões até 2017, principalmente graças a obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
“Dez anos para a área de saneamento é um período curto. Mudar tudo agora é destruir o que já foi construído. Justificar os problemas atuais é uma falácia por que não tivemos tempo de aplicar totalmente uma lei que é de 2007 e só foi regulamentada em 2010. O problema não está na ação do setor público”, afirma o assessor da FNU.
“O setor privado não está preocupado em levar saneamento pra favela, nem pro morro”
Fonte: CUT Brasil | Escrito por: Rosely Rocha | Imagens: Edson Rimonatto, Alex Capuano, Ondas
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