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8 de maio de 2020

Entenda por que Santa Catarina é apontado como próximo foco de mortes por covid-19

Desde a reabertura do comércio, em 13 de abril, o estado passou de 826 a 3.082 casos confirmados e de 26 para 63 mortes

 Motivado por pressão empresarial e pelo baixo número de ocupações nos leitos hospitalares, o governo de Santa Catarina afrouxou as medidas de isolamento social em portarias lançadas no mês de abril.

As imagens da reabertura do shopping Neumarkt, em Blumenau, e de festas particulares no bairro luxuoso de Jurerê Internacional, em Florianópolis, viralizaram ao mostrarem pessoas aglomeradas em meio ao agravamento da pandemia no país.

Entre as flexibilizações autorizadas pelo governador Carlos Moisés (PSL) no mês passado, além do comércio de rua, estava a volta do trabalho na construção civil e do funcionamento de restaurantes, shoppings, hotéis e academias, além da liberação de cultos e missas.

Nesta semana, porém, o estado, pioneiro no incremento da quarentena no princípio da doença, foi apontado por técnicos do Ministério da Saúde como o próximo foco de mortes por covid-19 no Brasil.

A projeção é baseada na explosão de casos da doença no mês de abril e na avaliação de que os óbitos tendem a crescer de forma exponencial nas próximas semanas.

Desde que a volta do comércio de rua foi liberada pelo governo estadual, no dia 13 de abril, o número de infectados pelo coronavírus triplicou em Santa Catarina. Na data da reabertura, eram 826 pessoas contaminadas. Nesta quinta-feira (7), o número subiu para 3.082. As mortes também aumentaram: de 26 para 63.

Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde afirma que o crescimento dos números coincide com o início da contabilização da testagem rápida pelo governo federal, que também incluiu casos confirmados por vínculo epidemiológico e critério clínico.

Também justifica o aumento pela inclusão de Santa Catarina em dois sistemas de monitoramento do Ministério da Saúde, o e-SUS VE e o SIVEP Gripe  — o que antes não vinha acontecendo.

Conforme as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), o isolamento social junto à testagem em massa e à prática de higiene pessoal são as maneiras mais eficientes de enfrentar a covid-19.

Brasil de Fato conversou com especialistas em saúde em Santa Catarina para entender quais os motivos para o aumento exponencial de casos no estado. Saiba mais na reportagem em vídeo a seguir.

 

Não há testes para justificar medidas

 

Lúcio Botelho, mestre em saúde pública pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ex-reitor da instituição, concorda que as testagens influenciaram neste aumento, mas garante que não há como não relacionar com a abertura da atividade econômica.

“Em saúde e em epidemiologia, não há coincidências, há determinações e causalidades. A gente abriu dia 13, o nosso salto começou a dar a partir do dia 25, doze dias após a abertura. Não há dúvida nenhuma que o afrouxamento do isolamento social gerou aumento de casos”, argumenta Botelho, que defende um outro tipo de isolamento social somente quando for possível a realização da testagem em massa da população.

Em 28 de abril, com mais de 67 mil casos confirmados, o Brasil ocupava a 11ª posição entre os 14 países com o maior número de infectados pelo coronavírus no mundo. Dentre estes países, o Brasil é o que aplica o menor número de testes diagnósticos em sua população: 1597 testes por um milhão de habitantes.

Os dados foram apresentados em um estudo organizado pela Plataforma COVID-19/SC-BRASIL, organizada por um grupo de 11 pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), da Universidade de Waterloo, do Canadá, e pela Universidade da Região de Joinville, a Univille.

Segundo a plataforma, que investigou o nível de subnotificação de casos no estado com base no registro de hospitalizações e óbitos por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) de anos anteriores, estima-se que o número real de mortes em Santa Catarina seria  278% acima do que vem sendo divulgado pelos órgãos oficiais.

“Ainda não era o momento ideal para se tomar essa atitude. isso olhando sob a ótica da ciência. já que o comportamento da pandemia nos outros países ao redor do mundo já vinha demonstrando cenários bastante graves. Estava sendo possível controlar esse avanço”, revela André Nogueira, docente no departamento de Química da Univille e um dos profissionais que compõem a equipe.

Segundo a Secretaria de Estado da Saúde, o Laboratório Central de Saúde Pública de Santa Catarina (Lacen), principal aparelho de testagem do estado,  tem capacidade para realizar aproximadamente 700 testes RT PCR por dia.

O governo diz que vem submetendo aos testes, profissionais de saúde e da segurança pública, além de pessoas com sintomas que procuram as Unidades Básicas de Saúde (UBSs).

“O número de testagem rápida que está sendo feito é muito limitado. É somente para pessoas  que tem assintomatologia e nos hospitais somente os profissionais de saúde, que com sintomas também é que estão sendo testado, não está liberado para todo mundo que está na linha de frente”, revela Cleidson Valgas, funcionário do Lacen.

 

Leitos não são justificativa

 

Para Valgas, que também é diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimento de Saúde Pública Estadual e Privado de Florianópolis e Região (SindSaúde/SC), a justificativa do Governo em afrouxar a quarentena em razão da baixa taxa de ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) — se comparado a outros estados — não pode ser levada em conta.

“Essa lógica de investir no respirador mecânico e investir no leito de UTI, é uma lógica curativa. É esperar as pessoas ficaram doentes, agravar, para depois precisar. O SUS [Sistema Único de Saúde] não tem que trabalhar nessa lógica. O SUS tem que trabalhar na lógica de fazer o teste rápido, em larga escala, diagnosticar as pessoas que tem a doença, isolar essas pessoas, e ai quebrar a cadeia de transmissão para impedir que elas fiquem doentes”, explica o profissional.

Quando a reabertura de shoppings e restaurantes foi permitida, a partir de 22 de abril, uma das justificativas utilizadas por Carlos Moisés (PSL) é que somente 67 leitos de UTI estavam ocupados, do total de 381 disponíveis no estado.

Até essa quarta-feira (6), a Secretaria Estadual de Saúde divulgou uma taxa de 17,3% de ocupação dos leitos de UTI para o tratamento da Covid-19 pelo SUS. Em Florianópolis, o índice está em torno de 40%.

Na opinião de Lúcio Botelho, é preciso evitar que as pessoas se “amontoem em corredores para esperar leitos de uti” – como o que vem acontecendo em Manaus, Rio de Janeiro, São Paulo e Fortaleza. Esse cenário, para ele, é uma decorrência lógica do aumento da mortalidade.

“Traçar uma meta de ter 50 por cento dos leitos ocupados é o mesmo de traçar uma meta de 150 dias. Não. Eu não quero ter leito ocupado. O que a gente tem que tentar evitar com o isolamento social é justamente que os casos se acumulem”, avalia.

Para Eleonora D´orsi, médica e epidemiologista, que trabalha no Departamento de Saúde Pública da UFSC, a quantidade de leitos disponíveis não deve ser usada como critério para o afrouxamento do isolamento social, principalmente pelo longo tempo de internação – uma característica da doença.

“Em geral quando as pessoas adoecem pela covid-19 e precisam ir para uma UTI, não são internações rápidas. Se a pessoa não for a óbito rapidamente, são internações bastante prolongadas, que duram às vezes duas, três ou quatro semanas”, explica a profissional.

 

Falta convergência política 

 

Apesar do governo catarinense, por meio do decreto estadual nº 562,  estender até 31 de maio o estado de calamidade pública em Santa Catarina, proibindo eventos e reuniões de coletivas de qualquer natureza, a abertura gradativa da atividade econômica deve permanecer e a falta de uma unidade entre as ações do Governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e seus governadores aliados , como o caso de Moisés, é uma realidade crônica no enfrentamento à pandemia.

Lucio Botelho comenta o exemplo de Florianópolis, que segurou a volta ao comércio, contrariando a portaria estadual de 13 de abril. O esforço não teve grandes resultados, pois a movimentação de moradores da capital para municípios vizinhos,  onde o comércio já estava aberto — como Biguaçu e São José — inibiu as medidas de isolamento social mantidas pelo prefeito Gean Loureiro (MDB).

“Se você tiver um gabinete de crise em que a predominância seja empresarial, ela vai em uma direção, isso é absolutamente lógico. Se você tiver um gabinete de crise em que a predominância seja do pessoal da saúde, epidemiólogos, como no município (Florianópolis), vai em outra direção. Até que o embate político se torne insustentável”, explica Botelho.

A Guarda Municipal projetou que o movimento do comércio de rua na capital, quando liberado uma semana após no restante do Estado – chegou a 70% do número de pessoas que transitam nas ruas do centro da cidade quando não há medidas restritivas.

 

Os números em Santa Catarina

 

Na semana passada, Santa Catarina tinha uma taxa de incidência de 366 infectados para 1 milhão de habitantes, ocupando a 17ª posição entre os estados. O índice de mortalidade era de 8 por 1 milhão de pessoas, 21º lugar entre as demais unidades da federação. Os dados foram divulgados pelo Ministério da Saúde.

Nesta quinta (7), o estado chegou a 3.082 casos confirmados de covid-19. A doença já causou 63 óbitos no estado.

“Existem vários estudos mostrando que o impacto econômico da epidemia, quando ela acontece, é muito maior que o impacto econômico causado pelo isolamento social e pelas medidas restritivas”, argumenta Eleonora D´Orsi.

 

Fonte: Brasil de Fato | Escrito por: Pedro Stropasolas | Edição: Vivian Fernandes | Foto: Reprodução

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